domingo, dezembro 13, 2009

“9 DE OUTUBRO DE 1553
Pela manhã eles irão me matar. Só tenho mais uma noite na terra e a passo sozinha. Eles tiraram de mim até a minha querida Colette. Embora ela tenha ido dormir, acho que foi melhor assim. Nem mesmo as suas orações, por mais puras e abnegadas que sejam, podem me ajudar agora, e ela teria sofrido desnecessariamente nesta cela, esperando o amanhecer. Companheirismo. Eu já aprendi a viver sem ele. Com a morte de Etienne há seis longas semanas, perdi não apenas a minha mais querida companhia, meu amor e minha alegria, como também o meu protetor.
Dizem que eu o envenenei, manipulando-o com uma das minhas poções de bruxa. Como são tolos. Eu teria dado a minha vida pela dele. De fato, estou fazendo exatamente isso. Sua doença era muito grave e estava além dos meus poderes curá-la. Nenhuma poção ou oração que eu pudesse inventar poderia impedir a sua morte. Como sua esposa, estou condenada. Eu, que outrora tratei dos males e do sofrimento na aldeia, sou ultrajada como se fosse uma assassina. Como uma bruxa. Aqueles cujas febres curei, cujas dores aplaquei, se voltaram contra mim, gritando pela minha morte como feras uivando para a lua.
É o conde que os lidera. O pai de Etienne que me odeia e me deseja. Será que está olhando da janela do seu castelo enquanto montam a pira que será minha câmara ardente? Estou certa de que ele o está fazendo enquanto seus olhos vorazes brilham e seus dedos finos e perversos se entrelaçam numa oração. Embora eu vá ser queimada amanhã, ele arderá por toda a eternidade. Uma pequena vingança, porém conveniente.
Se eu sucumbisse a ele, se houvesse traído o meu amor mesmo depois de sua morte e fosse para a cama com o pai de Etienne, talvez conseguisse sobreviver. Pelo menos foi isso que ele prometeu. Encarei as torturas desta maldita corte cristã com mais alegria do que aquilo.
Ouço meus carcereiros rindo. Estão bêbados e entusiasmados com o que ocorrerá amanhã. Mas eles não riem quando vêm à minha cela. Seus olhos se arregalam e se amedrontam enquanto fazem com os dedos o sinal contra a bruxaria. Como são tolos em acreditar que um gesto tão pequeno e desprezível pode ser capaz de deter o poder verdadeiro.
Eles cortaram o meu cabelo. Etienne costumava chamá-lo de seu fogo angelical, e passava os dedos por toda a sua extensão. Ele era a minha vaidade, e até isso foi arrancado de mim. Minha carne está definhando por sobre os ossos, lacerada devido às torturas implacáveis. Durante esta última noite, irão me deixar em paz. Foi nisso que eles erraram.
Por mais que o meu corpo esteja fraco agora, meu coração está cada vez mais forte. Logo estarei com Etienne. Isso é um mundo que se tornou cruel, que usa o nome de Deus para torturar, condenar e assassinar. Enfrentarei as chamas, e juro pela alma de Etienne que não gritarei pela misericórdia do impiedoso, ou para o Deus que eles usam para me destruir.
Colette contrabandeou o amuleto para mim. Eles o encontrarão e o roubarão, é claro. Mas hoje à noite eu o usarei em torno do meu pescoço, a corrente pesada de ouro, com seu rubi brilhante em forma de lágrima ornado com mais ouro, gravado com o meu nome e o de Etienne, e enfeitado com mais rubis e diamantes. Sangue e lágrimas. Fecho minha mão em torno dele e sinto Etienne perto de mim; dá até para ver o seu rosto.
E com isso amaldiçôo as Parcas que nos mataram, que irão matar o filho que só eu e Colette sabemos que se mexe dentro de mim. Uma criança que jamais conhecerá a vida, com seus prazeres e suas dores.
Para Etienne e nosso filho eu reúno as forças que tenho, clamo por quaisquer vozes que me ouçam, desato qualquer poder que eu detiver. Que aqueles que me condenaram sofram como nós sofremos. Que aqueles que tiraram de mim tudo que eu prezo jamais conheçam a felicidade. Amaldiçôo quem quer que venha arrancar este amuleto de mim, este último elo terreno entre mim e o meu amor. Rezo a todas as forças do céu e do inferno para que aquele que se apoderar do último presente que Etienne me deu conheça a discórdia, a dor e a tragédia. Aquele que buscar o lucro só irá perder o que lhe é mais precioso e mais querido. Esse é o meu legado para os meus assassinos e aqueles que os seguirem em gerações de desgraças.
Amanhã eles me queimarão como se eu fosse uma bruxa. Rezo para que estejam certos e que meus poderes, assim como o meu amor, sejam eternos.
Angelique Maunoir”
O Amuleto – Nora Roberts

P.S.: eu achei tão bonito isso enquanto lia o livro, mas agora não faz mais sentido.

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