Sobre bicicleta

Eu pedalo porque sinto que minha bunda fica mais dura.

E de fato, ela ficará depois de mais 459089 km rodados. Mas rodados aonde? Dentro do quarto inutilizado da minha irmã em que eu posso acompanhar a novela? Ou ler livros e revistas? Bicicleta é mais cômodo que esteira. Senta-se na bicicleta, na esteira não. Parece-me que na esteira o resultado vem mais rápido que da bicicleta. Será? Eu queria pegar a bicicleta grande, a de marcha, que está guardada e sair pedalando pela cidade inteira. Meu receio é mais pelos inúmeros atropelamentos que eu irei sofrer do que os outros irão achar. Até porque andar de bicicleta é normal na minha cidade. Para crianças de até 9 anos ou velhos de mais de 50. A última vez que eu saí na rua para pedalar foi com meu tio e meus primos pequenos. Eu, minha irmã e eles sempre pedalávamos nos fins de tarde. Mas minha irmã parou de achar graça de pedalar. Eu continuei. E foi no estacionamento do Hospital de Caridade recém coberto de piche que eu levei o segundo maior tombo de bicicleta da minha vida. E o pior não foi o tombo, foi que eu tive que voltar pra casa segurando a bicicleta, com os machucados jorrando sangue (nem tanto) e piche grudado. Berrando de dor (eu não tinha aprendido chorar silenciosamente ainda) e ouvindo meu tio: ‘Ah, pára. Deixa de ser criança, nem foi nada!’ Não porque não foi nem o joelho nem o cotovelo dele que se esfolaram. Depois daquela vez eu perdi totalmente a vontade de pedalar pela cidade nos fins de tarde. Meu primeiro grande tombo nem foi de bicicleta. Foi de motoquinha. Eu tinha uns cinco anos. Minha irmã uns 9. Ela já conseguia andar de bicicleta, até sem rodinha de apoio. E ela foi pra rua, no paralelepípedo. Inocente eu que achei que os pneus de plástico da minha super motoquinha de cores primárias iriam rodar nas grotescas pedras. É óbvio que a porcaria virou e caiu em cima de mim me esfolando toda. Mas dessa vez eu tive consolo da minha mãe. Acho que superei os traumas. Se alguém ler isso e tiver uma bicicleta disponível, eu aceito companhia.