sábado, maio 23, 2009

Protótipo pré-óbito -sobre assuntos funestos

É como se eu soubesse que iria morrer. Essa sensação não me angustia, mas de certa forma, me liberta. Pensei, e ainda penso agora, numa possível lista de amigos, e quem eu gostaria de deixar uma última palavra. Há uma mísera vontade de chorar – porque a situação é propícia a choro – mas a vontade mesmo é de gargalhar. Lembro de momentos felizes. E é sarcástica essa parte. Eu, feliz de morrer. É como se eu soubesse que alguém(ns) morreria(m) e eu me mataria logo após, torcendo que encontrassem minha lista.
*
Tava tudo certo. Correndo bem. Se eu morresse, eu morreria feliz. Estaria com minha irmã e mãe. Impondo condições para a Morte, de que ela levaria todas nós, fechado. E nós estávamos em uma situação de risco. Estávamos viajando de ônibus. E eu sempre penso em tudo de ruim que pode acontecer numa viagem de ônibus. Isso na ida. Na volta, eu tinha certeza absoluta de que eu poderia morrer, com um tiro. Sendo que tinha um passageiro assaltante armado. E ali estava tudo errado. Ele iria estragar meus planos de morte – ou vida, sei lá. Mas o que eu podia fazer? Minha impotência me acabava. Eu simplesmente entregaria o ouro em troca da minha vida. Mas se ele desse um tiro ma minha mãe? Ou a minha irmã e eu fossemos as únicas a sobreviver? Aqui entra a história da minha lista de afetos pré-óbito.
A embalagem de Pringles que eu guardo, a sapatilha que eu tanto quero, todos os copinhos de vinhos Salton e a minha coleção de sacolas não teriam mais a mínima importância. Eu diria pra minha terapeuta, naquela lista: ‘eu te amo, mas eu me matei. a terapia não me foi suficiente.’ Eu sabia que essa nuvem de felicidade iria ir embora rápido, mas não achei que logo de cara viria a sensação de morte iminente.

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